Por que a Praia do Bom Abrigo é tão poluída?
Um dos mais belos balneários de Florianópolis, Bom Abrigo é hoje apenas um local de contemplação.
Somente quem não se preocupa com sua saúde tem coragem de entrar no mar. Nos últimos cinco anos, de 2019 a 2023, a Praia do Bom Abrigo esteve totalmente imprópria para banho, com exceção de apenas três semanas, duas em 2022 e uma no ano passado, de acordo com relatórios do Instituto do Meio Ambiente (IMA/SC). Nas quatro primeiras coletas de 2024, todas as amostras constataram contaminação fecal recente acima do aceitável.
E não é pouca poluição! A quantidade de Escherichia Coli por 100 mililitros, que deveria ficar abaixo dos 800, chega em inúmeras amostras a alcançar os 24.196, o valor máximo possível após o cultivo por 18 horas da bactéria nos laboratórios do IMA.
O mais surpreendente é que o pequeno bairro do Bom Abrigo foi o primeiro local na Capital a receber, em setembro de 2018, o programa Se Liga na Rede. Por quase dois meses, os técnicos visitaram as residências e orientaram sobre a correta destinação dos dejetos, sob pena de multa.
Vale lembrar que, ao contrário de bairros como o Abraão e Capoeiras, onde a rede de esgoto foi instalada há poucos anos, o Bom Abrigo conta com esse serviço há mais de três décadas.
O Blog do Abraão foi atrás de uma explicação e entrevistou representantes da Casan, do IMA/SC, Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e UFSC. E descobriu que encontrar uma resposta não é nada fácil.
A principal causa apontada seria a incorreta ligação das residências à rede de esgoto. De acordo com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, “mesmo com o trabalho de fiscalização realizado pela Prefeitura, através da Blitz Sanear e de programas como o Floripa Se Liga na Rede, persistem pontos de descarte incorreto de efluentes na rede pluvial, que acaba carregando material poluidor ao mar”. Este comportamento, conforme o órgão, é identificado pelas equipes nas rotinas de fiscalização.
“A Prefeitura vem notificando os proprietários que estejam cometendo irregularidades e, também, cobrando que a concessionária responsável pela coleta e tratamento de esgoto (Casan) busque corrigir eventuais problemas na estrutura disposta.”
Ou seja, passados mais de cinco anos da chegada do Se Liga na Rede no Bom Abrigo, o poder municipal ainda não conseguiu coibir o descarte irregular num dos menores bairros da área continental.
Já a Casan garante que faz manutenções e melhorias periódicas e levanta mais um culpado pela situação: a chuva. “O resultado do IMA tem grande variação devido ao impacto das chuvas. Análises realizadas com ausência de chuva em geral ficam abaixo do valor máximo aceito, pois as chuvas intensificam o direcionamento das ligações irregulares de esgoto nas redes de drenagem para o mar”, afirma a empresa, não comentando os resultados de “imprópria para banho” verificados nos últimos cinco anos, faça chuva ou faça sol.
De acordo com a concessionária, a solução do problema não “depende somente da Casan, mas também dos moradores, para fazerem a ligação adequada, e da prefeitura, que atua como órgão fiscalizador das estruturas de drenagem”. Acrescenta ainda que a “principal ação nessa região ainda é a ligação correta por parte dos moradores, pois a região tem 100% de cobertura com rede coletora de esgoto”.
O gerente de Laboratório e Medições Ambientais do IMA/SC, Marlon Daniel da Silva, concorda que a chuva tem impacto. Mas observa:
“Fezes não caem do céu”.
Para ele, a chuva “descortina a fragilidade do sistema”, que passa pela correta ligação do esgoto, sistema de drenagem, rede coletora e tratamento. “Se esse ‘conjunto’ funciona não há por que a praia ficar imprópria por um período tão longo de tempo.”
Marlon da Silva ainda destaca a importância do papel dos moradores: “Muitos constroem uma casa bonita, mas se esquecem que toda a água que entra precisa sair pelo esgoto”.
A realização de um estudo hidrodinâmico seria algo importante para identificar os reais motivos da poluição no Bom Abrigo, na visão do professor de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSC, Rodrigo Mohedano. Para ele, o problema envolve vários fatores, como as correntes, maré, sistema pluvial, tubulações, sistema de coleta, transporte e descarte de esgotos.
“A comunidade pode acionar o município para que este promova uma avaliação abrangente, voltada a mapear as falhas e apontar soluções”.
Confira quadro demonstrativos de como foi o resultado das quatro amostras coletadas pelo IMA nas praias da área continental de Florianópolis.
Fotos: Suzete Antunes
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