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Procura-se espaços de lazer na área continental de Florianópolis

16 de janeiro de 2024
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Cerca de 30% das áreas públicas disponíveis para espaços de lazer no Continente ainda não foram implementadas, conforme estudo coordenado pela professora arquiteta e urbanista Maria da Graça Agostinho, desenvolvido entre 2018 e 2021. Nos espaços já existentes, boa parte possui baixa qualidade, caracterizada por mobiliários mínimos e pouca vegetação. “Cerca de 50% das praças e parques foram percebidos como regular ou ruim”, afirma.

Em entrevista ao Blog do Abraão, a pesquisadora ressalta a alta densidade populacional na região continental em comparação com o reduzido número de locais de lazer, principalmente em bairros mais afastados da orla.

Blog do Abraão Poderia compartilhar informações sobre a pesquisa coordenada por você entre 2018 e 2021 sobre os espaços públicos de lazer na área continental de Florianópolis?

Maria da Graça Agostinho – A pesquisa teve como objetivo inicial diagnosticar as condições das praças e parques na área continental de Florianópolis. Realizada em colaboração com a professora Ana Alice Miranda Duarte, englobou um amplo levantamento com o mapeamento georreferenciado dos espaços públicos de lazer mediante pesquisas de campo e análise da legislação municipal. Identificamos 68 áreas de AVL – Área Verde de Lazer no mapa de zoneamento, das quais 48 foram identificadas como espaços públicos de lazer, contendo algum tipo de equipamento ou mobiliário. Verificamos que muitas áreas demarcadas como AVLs não foram implementadas, permanecendo vazias ou subutilizadas.

Quais foram as principais conclusões?

A conclusão principal é que há uma carência enorme de praças e parques em condições adequadas para atender às necessidades da população. Esses espaços não estão distribuídos de maneira equitativa pelo território, não contemplando todos os bairros e comunidades do Continente. Grande parte das praças resultaram de “sobras” do tecido urbano no processo de parcelamento do solo e do sistema viário. Em sua maioria, possuem baixa qualidade formal e programas reduzidos, mobiliários mínimos e pouca vegetação. Cerca de 50% das praças e parques foram percebidos como regular ou ruim

Esses espaços não estão distribuídos de maneira equitativa pelo território, não contemplando todos os bairros e comunidades do Continente

Houve mudanças desde a conclusão do estudo em 2021?

A situação não mudou significativamente, os investimentos têm sido aplicados em intervenções pontuais, que apenas consolidam os espaços já existentes e localizados em áreas da cidade que, normalmente, já recebem mais atenção que outros bairros e comunidades periféricas. O novo Plano Diretor não apresentou propostas para viabilizar novos espaços de lazer, essenciais para modificar essa realidade em termos de quantidade e qualidade.

A Prefeitura de Florianópolis tem investido valores expressivos em locais já consolidados no continente, como o Parque de Coqueiros. Ao mesmo tempo praças e áreas de menor porte, como a que fica em frente à Academia Atlas, não recebem atenção. Esta é uma política correta?

Praça em frente da Academia Atlas, no Abraão, que possui um único banco

Os recursos deveriam ser distribuídos de maneira mais equilibrada e democrática entre os bairros. Pequenas praças próximas às residências podem funcionar melhor como locais de encontros e lazer para o dia a dia das comunidades do que a concentração em poucos equipamentos de maior porte. É crucial ter praças próximas da moradia, acessíveis no tempo de uma caminhada. Não adianta concentrar o lazer somente em grandes áreas, como os parques, que em geral são utilizados nos finais de semana. Intervenções pontuais e concentradas dão mais visibilidade, mas é fundamental lembrar que,de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, tornar as cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis envolve proporcionar acesso universal a espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis e verdes, particularmente para as mulheres e crianças, pessoas idosas ou com deficiência. O lazer é um direito da população garantido no Estatuto da Cidade.

Como ampliar o número de espaços de lazer no Continente? O prefeito Topázio Neto afirmou, em entrevista concedida ao Blog do Abraão, que não há mais áreas públicas disponíveis no Continente, e a criação delas depende de incentivos previstos às empresas, via Plano Diretor. Você concorda?

Não concordo. A pesquisa identificou que cerca de 30% das áreas públicas disponíveis para espaços de lazer ainda não foram implementadas. Por que não há investimentos nestas áreas? Mesmo que os recursos fossem alocados, ainda assim não seriam suficientes para atender a demanda da população nos bairros da área continental. Para expandir essa oferta é necessário planejamento urbano sério e responsável e, infelizmente, a revisão do Plano Diretor não deu a devida importância a essa questão.

Orla de Capoeiras, local que a Associação dos Moradores do bairro tem projeto de área de lazer interligada ao Parque do Abraão

Falta planejamento, então?

Historicamente, o planejamento e a gestão da cidade abordaram a questão dos espaços públicos de lazer de forma fragmentada e pontual, consolidando principalmente o que já existe. O Plano Diretor poderia ter elaborado um plano do sistema de espaços livres públicos, estabelecendo as bases para o desenvolvimento da cidade, o que não aconteceu. Mas ainda é possível aumentar a quantidade de espaços públicos de lazer por meio de desapropriação e aplicação de instrumentos como o direito de preempção previstos no Estatuto da Cidade, além da exigência de contrapartidas/medidas compensatórias por impacto ambiental e de vizinhança.

Como você avalia a densidade demográfica no continente versus espaços públicos, principalmente em bairros como Capoeiras e Monte Cristo?

A densidade demográfica média da porção continental é muito elevada,  cerca de 7.600 hab/km², significativamente superior à média municipal,  de 623,68 hab/km² (Censo de 2010, IBGE). Para estabelecer parâmetros adequados de espaços públicos de lazer, visando atender às necessidades da população, é necessário destinar áreas mínimas em metros quadrados por pessoa. Alguns parâmetros apontam uma referência de 12 metros quadrados.

Na porção continental, obtivemos um índice de 2,80 m² de área de lazer por habitante, incluindo praças, parques e terrenos com possibilidade de implantação (AVLs). Esse índice pode ser ainda menor se considerarmos os dados de população do Censo de 2022 e o aumento das densidades construtivas previsto no novo Plano Diretor. A situação é ainda mais crítica em bairros como Monte Cristo e Capoeiras, onde há várias comunidades de baixa renda com vulnerabilidades sociais e poucos espaços públicos de lazer em comparação com os bairros mais próximos da Orla.

A situação é ainda mais crítica em bairros como Monte Cristo e Capoeiras, onde há várias comunidades de baixa renda com vulnerabilidades sociais e poucos espaços públicos de lazer em comparação com os bairros mais próximos da Orla.

Qual a importância da comunidade na conquista de novos espaços?

Parque de Coqueiros

Em Florianópolis temos muitos casos de espaços públicos que foram criados por iniciativa e mobilização da comunidade e movimentos sociais, como por exemplo o Parque da Luz e o Parque de Coqueiros, que hoje são importantes referências urbanas. Na ausência de políticas públicas para a criação e valorização dos espaços públicos de lazer, a comunidade tem se mobilizado reivindicando, construindo e se apropriando de lugares que possuem características relevantes para o uso comum, uso de todos, seja pelos valores históricos, simbólicos, cênicos ou naturais. Isso é muito importante, porque a população a partir de sua vivência identifica esses lugares e se apropria deles.

No Bairro Abraão, a ação da comunidade foi responsável pela criação do Parque Ilha das Conchas e teve um papel fundamental na construção do Parque do Abraão.

Parque Ilha das Conchas

O Parque do Abraão e o Parque Ilha das Conchas, assim como a proposta da constituição do Parque Capoeiras, fazem parte de um conjunto de iniciativas da própria comunidade para a criação de espaços públicos de lazer. Nosso estudo buscou chamar a atenção sobre a necessidade de o planejamento do território definir estratégias para a implantação de espaços públicos de lazer como base fundamental para a construção de cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis. E a participação da população nesse processo é fundamental.

Seu trabalho também aborda a questão ambiental…

Os espaços públicos de lazer cumprem múltiplas funções urbanas, uma delas a ecológica, pois sendo locais vegetados amenizam o calor no ambiente urbano e, conectados com os ecossistemas naturais, podem fazer frente às mudanças climáticas. É fundamental a reflexão sobre a importância de o planejamento urbano incorporar valores sociais e ecológicos definindo estratégias para a implantação de um sistema de espaços livres públicos que contribuam para a construção de cidades com mais qualidade de vida.

Arquiteta e Urbanista, Mestre em Geografia – Desenvolvimento Regional e Urbano e Doutora em Ciências Humanas pela UFSC. Atuou como professora nos cursos de Arquitetura e Urbanismo (FURB; UFSC; UNISUL), nas áreas de planejamento urbano, urbanismo e paisagismo. Desenvolve pesquisa com publicações sobre os temas cidades e espaços livres públicos. Atualmente, é vice-presidente e pesquisadora do Instituto Cidade e Território.

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